A superproteção do crédito trabalhista, no ordenamento jurídico brasileiro, vem de longa data. O vetusto Código Comercial de 1850, que leva a assinatura de Sua Majestade Dom Pedro II, ainda em vigor, salvo na parte revogada pelo atual Código Civil, já a previa nos arts. 470, item I, e 475. No primeiro, reconhece o privilégio dos salários prestados ao navio, no caso da transferência da propriedade da embarcação, de cuja responsabilidade não se desonerava o alienante; no segundo, estabelece que no caso de quebra ou insolvência do armador do navio, os salários dos trabalhadores preferirão sobre o preço do navio a outros credores da massa. O também antigo Código Civil de 1916, sancionado pelo Presidente Wenceslau Braz, por meio do art. 759, resguardava os salários dos trabalhadores agrícolas, no caso de excussão do bem hipotecado ou empenhado, que deveriam ser pagos, precipuamente a quaisquer outros créditos, pelo produto da colheita para a qual houvessem concorrido com o seu trabalho. E não parou por aí a preocupação do legislador brasileiro em privilegiar o crédito trabalhista em detrimento de outros, sejam quais forem a sua natureza. Na esteira das legislações comercial e civil, a nossa CLT de 1943, "dádiva" do Presidente Getúlio Vargas, veio para confirmar, em definitivo, a supertroteção dos créditos dos trabalhadores, em caso de falência, concortada ou dissolução da empresa, dizendo no art. 449, § 1º que nas duas primeiras hipóteses retro, a totalidade dos salários e das indenizações devidas aos empregados constituem crédito privilegiado. No mesmo sentido, estabelecia o art. 102 da revogada Lei de Falências (DL Nº 7.661/45). O Código Tributário Nacional (Lei 5.172/66), por sua vez, prescreveu no art. 186 que o crédito tributário prefere a qualquer outro, excetuado o trabalhista. A novel Lei de Recuperação Judicial e Falências (Lei nº 11.101/2005), embora com lamentável mitigação, mantém o privilégio dos créditos dos trabalhadores da empresa falida que devem ser quitados antes dos demais (arts. 83, I, e 151).
Da evolução legislativa exposta, infere-se que é inquestionável o privilégio do crédito trabalhista, sob todos os aspectos.
Feitas as considerações transatas, cumpre-se adentrar à questão posta em debate: como fica a preferência do crédito trabalhista diante dos débitos tributários incidentes sobre os bens penhorados, e, no caso de veículos, as multas de trânsito? Inicialmente, cabe salientar que em razão do caráter protetivo que o nosso ordenamento jurídico confere aos salários dos trabalhadores, soaria incoerente caso houvesse óbice à penhora de bens gravados de ônus de qualquer natureza, assim como se outros credores(fiscal, hipotecário, pignoratício etc) tivessem preferência, relativamente aos débitos constituídos antes da constrição. Felizmente, tal circunstância não se afigura, haja vista que está pacificada a preferência do crédito trabalhista nas hipóteses de pender débitos sobre os bens penhorados, ou seja, os bens sobre os quais recaírem débitos tributários ou outros de quaisquer natureza, com p. ex., a multa de trânsito incidente sobre os automóveis, são legalmente suscetíveis de penhora, sendo que o produto da alienação em hasta pública será destinado, preferencialmente, ao crédito do trabalhador exeqüente.
Resta saber com quem fica a responsabilidade pelo pagamento do tributo. A resposta à questão vem do art. 130, parágrafo único do Código Tributário Nacional, que diz no caput que os créditos tributários relativos aos impostos cujo fato gerador seja a propriedade, o domínio útil ou a posse de bens imóveis, subrogam-se na pessoa dos respectivos adquirentes, a passo que no parágrafo único estabelece que no caso de arrematação em hasta pública, a subrogação sobre o respectivo preço. Disso se dessume que o valor que sobejar do depósito efetuado pelo adquirente do bem penhorado e expropriado(arrematante, adjudicante e o adquirente na alienação por iniciativa particular), após o pagamento do crédito do reclamante, será utilizado para quitar os tributos que recaíam sobre o bem antes da venda judicial, de forma que o adquirente o recebe livre de quaisquer dívidas. Acerca da preferência legal do crédito trabalhista, invocamos a lição de Theotônio Negrão:
“Art. 711: 7ª 'Recaindo sobre o mesmo bem do devedor, penhoras em execuções trabalhista e fiscal, a preferência é do crédito trabalhista. Havendo saldo na liquidação, este reservar-se-á em favor do credor fiscal' (RSTJ 13/67)". (in Código de Processo Civil e legislação processual em vigor. 35 ed., São Paulo: Saraiva, 2003, p. 754)”.
E se, quitado o crédito do exeqüente, nada sobrar para pagar os impostos ou o que sobrar não for suficiente, seria do arrematante a responsabilidade? Não. A redação do art. 703, III do CPC (dada pela Lei 11.382/2006) não deixa margem de dúvidas no sentido de se concluir que a única responsabilidade do arrematante é pelo pagamento do imposto de transmissão. Portanto, nada pagará o adquirente de bens em hasta pública a título de tributos, multas ou outras dívidas. Na hipótese de não haver saldo para quitar tais débitos, e a fim de concretizar a tradição do bem para o adquirente, nos casos em que a lei exige um ato solente (imóvel, veículos etc), a solução seria determinar a desvinculação da dívida do bem, cuja responsabilidade ficaria com o antigo proprietário, haja vista que os débitos tributários têm como fator gerador a propriedade, cabendo ao ente público credor se valer da execução fiscal com o intuito de receber seu crédito.
Concluindo, resta-nos arrematar que a prelação do crédito trabalhista fundamenta-se na sua natureza alimentar, prevista no ordenamento jurídico pátrio, tendo como suporte máximo o art. 100 da Constituição Federal de 1988.