domingo, 14 de setembro de 2008

PRECATÓRIO JUDICIAL: SEQUESTRO DE VERBAS PÚBLICAS

No Brasil, o credor de ente público enfrenta uma verdadeira via crúcis para receber o que lhe é devido, mormente quando se trata de débito decorrente de condenação judicial, cujo adimplemento se dá por meio do famoso precatório, que na prática, muitas vezes, é sinônimo de calote oficial.
Em virtude da supremacia dos interesses coletivos sobre os privados e da especificidade do ocupante do pólo passivo da execução - Municípios, Estados, União e suas respectivas autarquias e fundações - o legislador constituinte originário do nosso país, prestigiando o Princípio Federativo, criou a figura do precatório judicial, forma de execução por quantia certa contra a Fazenda Pública, regulada pelos arts. 730/731 do Código de Processo Civil. Trata-se de uma requisição de pagamento feita pelo Presidente do Tribunal, de onde originou a decisão exeqüenda, dirigida ao representante legal do ente público devedor, cuja concretização se dá mediante a inclusão da verba no orçamento, por conta da dotação consignada ao Poder Judiciário, observando-se a ordem cronológica de apresentação dos precatórios, excetuando-se desse procedimento os créditos de natureza alimentícia, consoante dispõem o art. 100 e §§ da CF/88.
Entretanto, embora o parágrafo primeiro do art. supracitado determine a obrigatoriedade da inclusão da verba no orçamento das entidades de direito público para pagamento dos débitos oriundos de sentença judiciária, tem havido no Brasil uma cultura de descumprimento dos precatórios judiciais, mormente por parte dos chefes dos Poderes Executivos Municipal e Estadual, salvo raras exceções.
No âmbito trabalhista, o nosso C. TST, atento à emergência do pagamento do crédito do trabalhador, que em geral passa por difícil situação econômica, e com o intuito de combater o calote oficial, estabeleceu por meio do item III da IN nº 11, de abril de 1997, que o não-cumprimento da ordem judicial relativa à inclusão, no respectivo orçamento, pela pessoa jurídica de direito público condenada, de verba necessária ao pagamento do débito constante de precatório regularmente apresentado até 1º de julho, importará na preterição de que tratam os §§ 1º e 2º do art. 100 da CF e autorizará o Presidente do TRT, a requerimento do credor, expedir, após a oitiva do Ministério Público, ordem de sequestro nos limites do valor requisitado.
Todavia, em lamentável decisão, sob a ótica do crédito trabalhista, o excelso STF declarou inconstitucional a parte da Instrução Normativa acima mencionada, sob os seguintes fundamentos: trata-se de descumprimento de ordem judicial, cujo remédio constitucionalmente previsto é a intervenção e sequestros indiscriminados que perturbam seriamente a execução do orçamento, implicam preterição do direito de precedência dos demais credores e ocorrem sem que haja o mínimo contraditório (item 6 do mérito da ADIN 1.662-8, DOU 11.09.01). Infere-se, dessa decisão, que não há como determinar o sequestro de dinheiro nas contas dos entes públicos que não incluírem nos respectivos orçamentos as verbas para pagamento dos precatórios, sendo que a única conseqüência do não-cumprimento desse preceito seria a intervenção federal no Estado ou estadual no Município, conforme o caso. Contudo, conquanto prevista constitucionalmente, a hipótese de intervenção decorrente de não-observância do § 1º do art, 100 da CF, dificilmente seria efetivada, tendo em vista que a decretação da medida extrema é de competência do Presidente da República e do Governador, os quais, por questões de ordem política, dificilmente lançariam mão dela, mormente em se tratando de crédito proveniente de ação trabalhista.
Adequando-se à decisão do STF, o TST resolveu, então, publicar a OJ nº 03, que possui a seguinte redação:
PRECATÓRIO. SEQÜESTRO. EMENDA CONSTITUCIONAL N. 30/200.PRETERIÇÃO. ADIN 1662-8. ART. 100, § 2º DA CF/1988. O seqüestro de verbas públicas para satisfação de precatórios só é admitido na hipótese de preterição do direito de precedência do credor, a ela não se equiparando as situações de não inclusão da despesa no orçamento ou de não-pagamento do precatório até o final do exercício, quando incluído do orçamento.
Portanto, curvando-se ao decisum do STF, a máxima corte trabalhista brasileira pacificou a questão, no sentido de que só pode haver seqüestro se o Prefeito, o Governador ou o Presidente da República preterirem a ordem cronológica da apresentação dos precatórios. A medida é louvável, a fim de evitar a concessão de privilégios a determinadas pessoas com algum tipo de vínculo com o administrador público. No entanto, a efetividade da quitação do precatório estaria garantida caso alcançassem as situações de não-inclusão da verba no orçamento ou não pagamento ao final do exercício, o que ocorre com freqüência pelo Brasil afora, sem nenhuma espécie de penalidade para a Fazenda Pública recalcitrante, o que é lamentável, pois o Estado é quem deveria dar o exemplo, cumprindo imediatamente a ordem emanada do Poder Judiciário. Poderíamos até dizer que o não-pagamento do precatório ou a delonga, configura uma transgressão ao princípio constitucional da harmonia entre os Poderes da República.
Diante do exposto, conclui-se que a competência do Poder Judiciário, no tocante à condenação da Fazenda Pública, exaure com a expedição do precatório, não podendo, daí em diante, o Juiz determinar nenhuma medida com o intuito de obrigar o ente público a pagar o crédito deferido na sentença, pois o procedimento para quitação do precatório é meramente administrativo.
De pés e mãos atados, os Tribunais Trabalhistas têm buscado uma forma de satisfazer o crédito do trabalhador, por meio da instituição dos Juízos Auxiliares de Execução, que têm obtido bons resultados. Não obstante, o êxito da iniciativa depende da adesão da entidade governamental, que pode fazê-lo ou não, já que não há como constrangê-la a participar dessa forma inédita de conciliação. Há pontos positivos e negativos na medida. No primeiro, podemos destacar o recebimento mais célere do crédito trabalhista, praticamente considerado perdido para o exeqüente; no segundo, o fato de o reclamante receber a menor o seu crédito, pois o pagamento, nessa modalidade, sempre é feito com deságio. Porém, é vantajosa a conciliação, diante do quadro de calote oficial que, historicamente, imperou no Brasil, e vem afastar a idéia já arraigada na sociedade de que, contra o Estado, se ganha mais não leva.
Além da conciliação dos precatório, na forma adotada pelos Tribunais do Trabalho, vislumbra-se outra alternativa para pôr fim à cultura do não pagamento dos precatórios, que é a criação de um fundo nacional de recebíveis públicos, projeto que está em estudo pelo Governo Federal. Em suma, por essa proposta os credores das pessoa jurídicas de direito público, decorrente de decisão judicial, receberiam os pagamentos de imediato, por meio da venda dos precatórios aos fundos, com um deságio de 15%. Os fundos, por sua vez, receberiam da Fazenda Pública os valores no prazo de até 25 anos, com juros de cerca de 10% ao ano. A idéia é interessante, mas o trabalhador sempre receberá a menor o seu crédito. Todavia, já é um grande avanço.
Por fim, vale ressaltar que o crédito trabalhista tem natureza alimentar, e por isso poderia se enquadrar na exceção prevista no art. 100 da CF, de forma que o trabalhador não pudesse esperar pelos procedimentos morosos do precatório, bem como pela boa vontade do administrador público para receber o que lhe é devido. Eis uma questão para se debater na seara trabalhista.

2 comentários:

Unknown disse...

Dr. Miro,

Quanto a sua inteligência ninguém tem dúvida. Agora escrever texto jurídicos neste nível e nesta qualidade só sendo um oliveira mota, filho de seu Vitório e de dona Maria Rosa.
Seu artigo "Precatório Judicial: Sequestro de Verbas Públicas" está muito bom. Uma verdadeira carta náutica para marinheiros que se aventuram no oceano jurídico. Profissionais e estudantes ficarão gratos pelo importante artigo. O texto embora escrito numa linguagem técnica, é acessível, claro, objetivo e rico em referências legais.
Siga em frente, avançando sempre, meu grande jurista, seu futuro está no presente.

Janine de Melo Borges Mota disse...

Parabéns!Você escreve muito bem!!!Continue crescende enquanto ser humano e profissional!Janine Mota